Sobre as obras


Sobre a obra Comunicação, 2003


Duas formas colocadas frente a frente. 
Formas em diálogo. Diálogo entre as formas e o espectador.
Uma aberta, a outra fechada.
Uma clara, a outra escura.
Uma cabe no interior da outra.
Entre elas, dentro delas, à sua volta – E s p a ç o. 
As complementaridades intemporais:
luz sombra; masculino feminino, visível invisível, centro periferia; dentro fora; matéria espaço... 


Obra realizada na Fábrica de Refractários Abrigada,SA, produzida pelo Núcleo de Cerâmica e Escultura da Faculdade de Belas Artes –U.L. e adquirida pela Câmara Municipal do Montijo em 2003. 
Sara Inácio 








Sobre a obra Alvorada, 2016 [série de esculturas efémeras em terra crua]. Sertã. 


Escolho um recanto de terra, à sombra da laranjeira, entre os morangueiros e o hipericão. Desde há décadas que este solo tem sido de cultivo - estrumado, semeado, plantado, regado. Terra solta, não argilosa, carregada de matéria orgânica. É a primeira vez esta terra é cavada sem ser para fins agrícolas. É a primeira vez que, neste lugar, a terra é erguida sem ser para construir uma parede. No chão modelo curvas, ondulações, escavo sulcos com as mãos. As formas, iniciadas no chão, prolongam-se por vezes para o plano vertical da parede. Cheiro intenso. Formas feitas ao nascer do sol. Formações na terra. Formas que vou transformando - uma dá origem à seguinte. Sequência, encadeamento, fluxo de formas. Ligação com a terra, viagem a espaços internos, sensação extática, circular, movimentos em espiral. Linhas quadrantes, divisões - algo celular, montanhoso, vulcânico. Aliso, espalho, escavo, aplano, arredondo, pressiono, furo, aperto, vejo, componho, formo, transformo, edifico. Detenho-me nos detalhes. Tenho tempo. Renovo-me a cada forma. Solto a pele antiga como a serpente aqui presente. Escuto o som da terra. O silêncio do interior da terra - a linguagem do início do tempo. 


Sara Inácio 






Sobre a Exposição ALVORADA (na Capela da Faculdade de Belas Artes -UL. 
No horto, uma escada … 
Uma laranja intercepta a distância da terra ao céu. É um corpo de terra a laranja e o jardim um pedaço do sagrado no decorrer dos dias. 
O trabalho da Sara Inácio coexiste em dois terrenos: o do profano, o da cadência dos dias (colher, comer, respirar, observar) e do sagrado sinalizando as epifanias, os encontros subtis que a transcendem e a incendeiam. 
O regresso à Faculdade de Belas-Artes para continuar os seus estudos superiores no 2º ciclo de Escultura, vem adensar os pressupostos do seu percurso. Do estudo das obras de Celeida Tostes e Ana Mendieta, foca-se na origem, no feminino e no ciclo: vida, morte, vida. E deste estudo, interioriza o gesto da arte, que é em si também a repetição e a metamorfose daquele que cria. Observa o renascimento constante, espelhado nos earth art de Ana Mendieta, e aqui apresenta a sua sequência de fotografias da série Alvorada. Dessas ações na casa materna, permanece o cone de terra vegetal sobre a pedra da capela do convento, e é como um rasto desses gestos arcaicos inscritos na sua paisagem intima e propostos agora à imaginação de cada um, como sopros vitais e imateriais. 
A propósito citamos Alberto Carneiro no seu Manifesto de uma arte ecológica : A Arte não está na presença física do bisonte de Altamira, mas sim na posse do que ele significa.[1]
A exposição Alvorada, tenta a conjunção das coisas simples a unidade renovada, ao que parece na companhia da poetisa[2], e assim se torna em poesia… 
Virgínia Fróis 


[1] Das notas para um diário entre dezembro 1968 e fevereiro de 1972, Revista de Artes Plásticas 1, outubro de 1973 
[2] O sol rente ao mar te acordará no intenso azul 
Subirás devagar como os ressuscitados 
Terás recuperado o teu selo a tua sabedoria inicial 
Emergirás confirmada e reunida 
Espantada e jovem como as estátuas arcaicas 
Com os gestos enrolados ainda nas dobras do teu manto 
Sophia de Mello Breyner